Incidência do ICMS nas Operações de Circulação de Mercadorias entre Estabelecimentos do Mesmo Titular
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é um dos tributos mais relevantes no cenário tributário brasileiro, incidindo sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. Um tema recorrente na doutrina e jurisprudência é a incidência do ICMS nas operações entre estabelecimentos de um mesmo titular, especialmente em razão das alterações legislativas e julgados recentes do Supremo Tribunal Federal (STF).
1. Circulação de Mercadorias: Conceito Jurídico
Inicialmente, cabe destacar que a expressão “circulação de mercadorias”, para fins de incidência do ICMS, não se confunde com o simples deslocamento físico do bem. Conforme entendimento consolidado, o fato gerador do imposto exige a transferência de titularidade da mercadoria. Ou seja, deve haver uma operação de compra e venda, permuta, doação ou qualquer ato que acarrete transmissão da propriedade.
Desse modo, se não houver alteração do titular da mercadoria – ainda que ocorra deslocamento físico entre estabelecimentos de titularidade comum (por exemplo, transferência de mercadorias do depósito para a loja, ambos pertencentes à mesma empresa) –, tradicionalmente não haveria incidência do ICMS, porque não ocorre circulação jurídica, apenas física.
2. A Polêmica: Transferência entre Estabelecimentos do Mesmo Titular
Apesar do entendimento doutrinário, as legislações estaduais, respaldadas pelo Convênio ICMS 66/88 e posteriores normativos, sempre exigiram o destaque do imposto nas transferências interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular. Essa exigência foi sustentada pela interpretação do artigo 12, inciso I da Lei Complementar 87/1996, segundo o qual “considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.
Tal disposição resultava em obrigação de escrituração, emissão de nota fiscal com destaque do imposto e até o recolhimento do ICMS em algumas situações, o que gerou litígios e debates sobre a constitucionalidade dessa previsão.
3. O Entendimento do STF
O tema ganhou protagonismo em 2021, quando o STF julgou o RE 1.125.133 (Tema 1.099 da Repercussão Geral), fixando importante tese jurídica:
Esse julgamento consolidou o entendimento de que a simples transferência física de mercadorias entre estabelecimentos, ainda que situados em Estados diferentes e pertencentes ao mesmo contribuinte, não enseja a cobrança do ICMS, afastando a tese do fato gerador presumido apenas pela saída do bem do estabelecimento.
Contudo, o STF reconheceu a legitimidade da exigência de escrituração contábil e da emissão de documento fiscal para controle e fiscalização, bem como ressaltou que as transferências devem observar as regras de ressarcimento do crédito acumulado do imposto.
4. Efeitos Práticos do Julgamento
Com a não incidência do ICMS nessas transferências, cessam obrigações tributárias materiais, como o pagamento do imposto, porém permanecem obrigações acessórias. Os contribuintes devem continuar a emitir notas fiscais de transferência e manter os lançamentos contábeis para garantir rastreabilidade e controle do fisco.
Outro ponto relevante é quanto ao aproveitamento do crédito do ICMS em operações interestaduais. O STF não vedou o direito ao crédito originalmente destacado, pois isso violaria a não cumulatividade, princípio basilar do imposto. Assim, o estabelecimento recebedor poderá se creditar do ICMS relativo à entrada das mercadorias transferidas.
5. Perspectivas e Recomendações
A decisão do STF orienta as futuras atuações tanto do fisco quanto dos contribuintes, especialmente no planejamento tributário das empresas que possuem filiais em mais de um Estado. Recomenda-se acompanhamento contínuo da legislação local e adoção de práticas rigorosas de escrituração para evitar autuações indevidas, ainda mais diante de possíveis tentativas dos fiscos estaduais de modular efeitos do julgamento ou criar normas acessórias que possam dificultar o crédito.
Conclusão
O entendimento sobre a não incidência do ICMS nas operações de circulação de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular traz maior segurança jurídica ao contribuinte. Ao afastar interpretações equivocadas que criavam obrigações materiais sem respaldo constitucional, o STF equilibra a proteção do erário com o respeito aos direitos dos contribuintes.
Fique atento às inovações jurisprudenciais e, em caso de dúvida sobre a aplicação das regras em situações específicas, procure sempre orientação especializada para garantir o correto cumprimento das obrigações tributárias e a otimização dos créditos fiscais.
Esse artigo foi feito com base na Aula 13, página 10 do nosso curso de Direito Tributário.



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